Egéria (mitologia)
Egéria (em latim: Ēgeria) é uma ninfa a quem foi atribuído um papel lendário na história de Roma, como divina esposa e conselheira de Numa Pompílio, o segundo rei de Roma Sabino, com quem partilhou as leis e os rituais da religião da Roma Antiga. O seu nome é utilizado como epónimo para mulheres conselheiras.
Origem e etimologia
[editar | editar código-fonte]O mito de Egéria poderá preceder a mitologia romana: terá tido origem itálica, possivelmente na floresta sagrada de Arícia , no Lácio, que foi também o berço de Diana Nemorense ("Diana de Nemi"). Em Arícia, existiu também um Mânio Egério, o contraparte do sexo masculino de Egéria.[1]
O nome Egéria tem sugerido diversas interpretações; poderá significar "choupo negro"; Georges Dumézil[2] propôs que talvez tivesse origem em "e-gerere", aludindo ao seu papel no parto; nas suas funções de profetisa e autora de "livros sagrados", poderia ser comparada[3] com a etrusca Vegoia (alegadamente autora de, entre outras coisas, o "Libri Fulgurales", que ajuda a interpretar o significado do traçado dos relâmpagos, que eram considerados como ameaçadoras mensagens de uma grande variedade de divindades).
Relação com Numa Pompílio
[editar | editar código-fonte]Segundo a mitologia, Egéria aconselhou e orientou o rei Numa Pompílio (do latim,"numen", que designa "a vontade expressa de um deus"[4]) na criação do primeiro conjunto de leis e rituais de Roma. Numa teria redigido os ensinamentos de Egéria em "livros sagrados" que fez enterrar com ele. Quando, por acaso, foram descobertos cerca de 500 anos mais tarde, o Senado considerou que não deviam ser divulgados publicamente e ordenou a sua destruição.[5] Aparentemente, conteriam assuntos de natureza religiosa com implicações "políticas" que não foram descritas por Valério Antias, a fonte que Plutarco utilizou. Dionísio de Halicarnasso sugere que os livros não foram destruídos, mas mantidos em segredo pelos Pontífices.[6]
Egéria seria também dotada de excelentes capacidades oratórias (era intérprete, para Numa, dos complexos presságios dos deuses, como por exemplo, o episódio da profecia de Fauno[7]). Noutro episódio, Egéria ajuda Numa que discutia com o próprio Júpiter, tentando obter um ritual de proteção contra trovões e relâmpagos.[8]
Numa também comunicaria com outras divindades, tais como as musas;[9] talvez por esse motivo, Egéria foi posteriormente considerada pelos romanos como sendo um das Camenas, divindades que viriam a ser equiparadas com as musas gregas, quando Roma caiu sob a influência cultural da Grécia; Dionísio de Halicarnasso listou Egéria entre as musas.[10]
O seu relacionamento com Numa tem sido descrito de diversas formas. Egéria é respeitosamente apelidada, normalmente, como coniuncta ("consorte"); Plutarco é muito evasivo sobre o grau de intimidade da relação de Numa com Egéria e sugere que Numa, ela própria, alimentava essa ambigüidade.[11] Juvenal, mais crítico, afirmava que era Amica ("namorada") de Numa.[12]
Numa Pompílio morreu velho, em 673 a.C. Ovídio, nas Metamorfoses, refere que com a morte de Numa, Egéria desfez-se em lágrimas de tristeza, transformando-se numa fonte (...donec pietate dolentis / mota soror Phoebi gelidum de corpore fontem / fecit... [13]), tradicionalmente identificada com uma nascente que se situa nas proximidades da Porta Capena, em Roma.
A fonte de Egéria em Roma
[editar | editar código-fonte]Perto da Porta Capena, em Roma, existiam uma fonte e um bosque, antigamente consagrados a Egéria. As suas águas eram para utilização exclusiva das vestais.[9] O ninfeu, um dos locais favoritos para piqueniques no século XIX, ainda existe e pode ser visitado no parque arqueológico de Caffarella, entre a Via Ápia e a ainda mais antiga Via Latina,[14] nas proximidades das Termas de Caracalla (uma construção posterior).
No século II, quando Herodes Ático reformulou uma villa herdada, nas proximidades, a gruta natural da fonte foi envolvida num arco com uma abside onde foi colocada uma estátua de Egéria; as paredes eram revestidas de mármore verde e branco, o piso era de pórfiro e os frisos em mosaico. A nascente, uma das dezenas de nascentes que correm para o rio Almone, passou a alimentar alguns lagos, um dos quais era conhecido como Lacus Salutaris ("Lago de Saúde").
Na literatura moderna
[editar | editar código-fonte]- Na tragédia Lúcio Júnio Bruto (1680), de Nathaniel Lee, Egéria aparece numa visão ao filho de Brutus, Tito.
- Em The Importance of Being Earnest, de Oscar Wilde, o sacerdote Chasuble refere-se a Cecily como "Egéria."
- Em Under Western Eyes (1911), de Joseph Conrad, Madame de S___, uma senhora russa de "pontos de vista avançados" é referida como a Egéria de Pedro Ivanovich, o "heróico fugitivo" que escrevia livros pregando e praticando o culto das mulheres nos ritos de devoção especial aos métodos transcendentais de Madame de S___.
Referências
- ↑ Encyclopædia Britannica 1911.
- ↑ Georges Dumézil, La religion romaine archaïque, Bibliothèque historique Payot, ISBN 2-228-89297-1, 1974, 2000, appendice sur la religion des Etrusques
- ↑ Vegoia and Egeria
- ↑ Georges Dumézil, La religion romaine archaïque, Bibliothèque historique Payot, ISBN 2-228-89297-1, 1974, 2000, appendice sur la religion des Etrusques,p47
- ↑ Plutarch, "Vidas Paralelas, Numa Pompílio"; Livy AUC libri XXXVIII.
- ↑ note by Gerard Walter, editor of Plutarch's Parallel Lives; translation by Jacques Amyot, La Pléïade volume n°43, 1967
- ↑ Georges Dumézil, La religion romaine archaïque, Bibliothèque historique Payot, ISBN 2-228-89297-1, 1974, 2000, appendice sur la religion des Etrusques p377
- ↑ Plutarco, "Vidas Paralelas, Numa Pompílio, §XXVII"
- ↑ a b Plutarco, "Vidas Paralelas, Numa Pompílio"
- ↑ Dionísio de Halicarnasso, ii. 6o.
- ↑ Plutarco, "Vidas Paralelas, Numa Pompílio, 4.2 and 8.6.
- ↑ Alex Hardie, "Juvenal, the Phaedrus, and the Truth about Rome" The Classical Quarterly New Series, 48.1 (1998), pp. 234-251.
- ↑ Ovid, Metamorphoses xv. 479.
- ↑ Information about the Park of the Caffarella Arquivado em 1999-10-11 no Wayback Machine